segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

O PESO NO CORAÇÃO DE J. D. SALINGER

O homem imaturo é aquele que quer morrer gloriosamente por uma causa. 
O homem maduro contenta-se em viver humildemente por ela.
[J. D. Salinger]

Morreu Jerome David Salinger. Morreu na quinta passada, 27 de janeiro, quando eu ainda estava cumprindo minha odisseia sertaneja no Vale do Jequitinhonha, em Minas. É Estranho chegar em casa e saber que alguém que se admira tanto tenha falecido e o assunto, de certa forma, já está frio, ou morto. Mas este blog não pode abrir mão de algumas linhas em respeito àquele que é um dos secretos patronos deste espaço.
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Não sou da geração que leu J. D. Salinger com surpresa, ou mesmo da geração que salingerse espantou com seu modo de vida. Quando conheci a obra de Salinger, “O Apanhador no Campo de Centeio” já alcançara o panteão da literatura como clássico irrefutável e sua vida de eremita já não era motivo de surpresa para ninguém. De Salinger, o que mais marcou a minha geração foi o mistério. Qual peso aquele homem traria no coração para se isolar tão radicalmente da multidão dos outros?
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Todos nós precisamos de algum período de solidão. Quem nunca exclamou à irritante presença de outrem: “quero ficar sozinho!”. Lembro-me de um verso do poeta maior da lusofonia, o universal Fernando Pessoa: “Vão para o diabo sem mim,/Ou deixem-me ir sozinho para o diabo!/Para que havemos de ir juntos?”. Quase posso ouvir J. D. Salinger repetindo este verso, como um mantra, em seu casebre montanhês de New Hampshire, “para que havemos de ir juntos, para que havemos de ir juntos...”.
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Tanta coisa já foi escrita sobre a morte e a vida de Salinger, que não pretendocatcher me estender nesta postagem. Perdemos um dos últimos autores de algum clássico literário, só isso já bastaria dizer sobre ele. Lembro-me de uma comparação que li no Estado de Minas, por ocasião de um aniversário de publicação do “Encontro Marcado” de Fernando Sabino. O texto colocava as duas obras em pé de igualdade, não em termos de literatura, mas no que tange à influencia que estas obras foram capazes de exercer em consecutivas gerações de jovens. É incrível como estes dois romances povoam o imaginário de tão diversos grupos há tanto tempo. Li e amei as duas obras, porém sempre preferi o solipsismo debochado de Holden Caulfield à boemia intelectual do nosso Eduardo Marciano.
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Adeus Salinger, você vai, mas fica o peso do seu coração.
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A leitura de “O apanhador no campo de centeio” é, sem sombra de dúvidas, a mais importante de minha juventude. Tanto que na época, ainda na fina flor da juventude [tinha dezoito anos], escrevi um poema sobre Holden Caulfield, protagonista do clássico de Salinger. Cheio de vergonha, partilho o texto agora. É minha pobre homenagem a Salinger.


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Holden Caulfield
Holden Caulfield não gosta de praticamente ninguém
Mas quando gosta é de verdade
.
Holden Caulfield não é de jogar conversa fora
Mas sempre quer ter alguém para conversar


Holden Caulfield não nasceu para bajular
E se bajula, é porque a pessoa merece


Holden Caulfield mente compulsivamente
Mas só conta mentira quando é necessário


Holden Caulfield é muito mulherengo
Pelo que sei só ama uma mulher


Holden Caulfield não gosta de estudar
Mas só porque na escola todos são uns chatos


Holden Caulfield adora fumar, beber, e se divertir até tarde
Mas só porque é menor de idade
.
Holden Caulfield é um cara meio estranho
Mas só aos olhos de quem é “normal”


Holden Caulfield só quer uma cabana na floresta
Um emprego num posto de gasolina, porque é só isto que lhe é necessário
.
Holden Caulfield só quer que todos lhe esqueçam
Pelos menos por algum tempo
.
Holden Caulfield só quer ser
The Catcher in the Rye, assim como eu


***

Pax Vobiscum Amicis
Até a próxima!