segunda-feira, 24 de maio de 2010

UMA TEMPORADA NO INFERNO

Uma noite, fiz a Beleza sentar no meu colo. E achei amarga. Injuriei.
[Arthur Rimbaud]

Faz mais de dois meses que escrevi aqui pela última vez. Bem sei que esta não é uma boa postura para aquele que deseja manter um blog. Porém, os dois ou três que me acompanham vão se lembrar do meu último texto, “Encruzilhada”, no qual eu falava sobre a necessidade humana de tomar decisões e sobre as decisões que realmente são definitivas. Bem, minha ausência se justifica por isto, estava em um momento de encruzilhada, sem saber para onde ir. Até que decidi descer aos infernos.

Lançando mão da mais simples das metáforas, nossa vida é toda organizada para que alcancemos o céu. Não o céu prometido pelos cristãos e muçulmanos, em um ainda desconhecida eternidade pós-morte, mas o céu do bem estar, da felicidade e dos prazeres possíveis nesta perigosa empresa a que chamamos vida. Quando, nalgum momento alguém chega a dizer, “minha vida está um inferno”, esta pessoa está no limite do mal-estar, da infelicidade e do desprazer. Em regra, buscamos o céu e temos horror ao inferno. Dedicamos boa parte de nossas forças vitais no caminho em direção ao tão esperado céu, enquanto tentamos escapar aos consecutivos infernos que se nos apresentam.


No meio da minha encruzilhada, escolhi seguir o caminho que me levaria diretamente ao inferno. Um caminho que já no pórtico se mostrava pedregoso, árido, sinuoso e longo. Fiz esta escolha inspirado em Ulisses [de Homero], o primeiro grande herói da literatura ocidental, que só teve forças para continuar sua inescrutável jornada depois de ter visitado os infernos. Lembrei também de Rimbaud, que depois da sua “temporada no inferno”, fez com que sua poesia atingisse contornos divinos. E até o próprio Jesus, segundo a tradição cristã, passou três dias no inferno antes de sua ressurreição.

E agora, já depois de ter descido aos infernos, aqui estou eu. Vivo. Mais forte. Ainda não cheguei ao meu céu, mas depois de ter passado pelos nove círculos infernais de Dante, me sinto mais próximo dos Campos Elísios. Aprendi a ir ao inferno em busca de respostas [com Ulisses], aprendi a fazer poesia no inferno [com Rimbaud] e a voltar com uma nova vida de lá [com Jesus de Nazaré]. Outros infernos virão, tantos céus serão desejados.

O que digo agora é que entre o caminho do céu e do inferno, sempre escolherei o do inferno. Porque, como o primeiro raio de sol depois de uma tempestade, o céu que vem depois do inferno, acreditem, é o mais alto dos céus. Porque, "à aurora - das mais escuras das noites escuras - revestidos de ardente paciência, entraremos nas esplêndidas cidades" [frase extraída do imaginário diálogo espiritual entre Rimbaud e São João da Cruz].

Pax vobiscum amicis,
Até a próxima.








[Foto: um momento de oração em Lourdes, França]