segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009

A "MONTANHA VIVA" DE HENRIQUETA LISBOA

“Não haverá, em nosso acervo poético, instantes
mais altos do que os atingidos por
este tímido e esquivo poeta.”
(Carlos Drummond de Andrade,
em crônica acerca da obra de Henriqueta)
Hoje visitaremos, Henriqueta Lisboa, poeta de lírica irretocácel, tantas vezes esquecida pelas antologias nacionais. Ela não se dedicava a cantar os grandes fatos, sua poesia ganhava forma por meio da observação dos detalhes do mundo. Em breves estrofes de miraculosa beleza ela metamorfoseava em poesia os menores seres, as pequeníssimas coisas ou os segredos de um instante. O mínimo elevado ao máximo de sua potência, eis a segredosa herança de Henriqueta.

Muitos d
os livros de Henriqueta alcançaram largo reconhecimento, tendo sido traduzidos para vários idiomas em todos os continentes. Talvez Henriqueta esteja longe de ser "obscura", enquanto poeta. Porém, entre os livros aos quais ela deu vida, alguns ainda encontram-se no limbo do não-reconhecimento literário. Dentre eles, destacaremos aqui aquela que talvez seja sua maior criação artística: "Montanha Viva - Caraça" (1959). Depois de uma temporada na famigerada "Serra do Caraça", cuja fama e história se confundem com a própria formação do espírito mineiro do século XIX, nossa poeta deu vida à Serra, cantando seus silêncios e solidões em versos de rara beleza.


Cada detalhe da Serra, que no passar dos séculos viveu muitas e intensas vocações (colégio, hospedaria, centro de peregrinações religiosas, espaço de pesquisa, seminário, parque natural), foi poetizado com magnífica destreza. Assim, o sino já não era mais somente um instrumento de alerta, mas "o fiel coração do santo Irmão"; nem ao menos a camélia seria doravante um simples flor, mas alcançaria a alcunha de "círculo em que se encontram os corações". Equanto esteve no caraça, Henriqueta fez de quase tudo motivo para sua poesia lírico-minimalista, principalmente aquilo que sempre escapa à nossa vista tão cansada por olhar com mais frequência o grosso e o bruto do mundo. A Serra do Caraça, sempre bela e imponente, pôde descobrir a partir da publicação de "Montanha Viva" uma nova vocação em sua vasta história, a vocação para beleza dos menores detalhes.

Para encerrar um poema do Montanha Viva, cuja inspiração de Henriqueta emergiu da contemplação de uma "pedra em forma de gente".



Solidão

Um homem na solidão
- que perene solilóquio! -
fala profundo a si próprio.
Fala a Deus em termos claros
a fluírem das mesmas águas
pela eternidade em curso.
Fala com tremor na voz
para que relvas e musgos
a palavra testemunhem.
Fala com os ventos diversos
para que a mensagem levem
aos ouvidos do horizonte.
Fala com o penhor das rochas
para que as estrelas o ouçam
desde a pedra em que se assenta:
"Da pedra de solidão
hei de levantar um templo".


Pax tecum amicis.
Até Breve.