sexta-feira, 15 de maio de 2009

A "ROSA NOTURNA" QUE BROTOU NO LIMBO

Falta-me tudo, enfim, nesta agonia;
só não me falta esta saudade imensa
que é meu sangue e meu pão de cada dia!
(Orlando Cavalcanti)

Orlando Cavalcanti é mais um daqueles grandes poetas que não tem vasta biografia na Wikipédia, mas merecia. Em 2010, alguns poucos estudiosos da literatura farão memória de seu centenário. Não sairá um caderno especial sobre ele na Folha de São Paulo, talvez o Estado de Minas, jornal ao qual dedicou boa parte de sua vida profissional, imprima uma pequena nota. Nada mais que isso.
O poeta nascido em Formiga, no sul de Minas, tem vários motivos para frequentar o estado límbico de esquecimento que a memória coletiva nacional costuma reservar aos que não são (foram) incensados pela mídia. Aqui destacamos dois. O primeiro diz respeito à sua pouca produção literária, sua obra resume-me a dois volumes esgotados há décadas no mercado das letras, Os Insurrectos (1944) e Rosa Noturna (1955). Morto em 1982, Cavalcanti dedicou a maior parte de sua produção em letras ao jornalismo e ao ensaio crítico, dando a entender que sua poesia era quase que um passatempo, e a história, salvo raríssimas exceções, não perdoa os poetas de ocasião. O segundo é menos objetivo, porém plausível, o fato de Cavalcanti não ter nascido naquele espaço mineiro que Affonso Ávila nomeou “Ilha Barroca”, ou seja, aquele espaço poético-epírito-simbólico das Minas Gerais dos antigos ciclos do ouro e do diamante, fez com que sua poesia estivesse mais ao estilo de um Vicente de Carvalho, poeta plasmado ao modo paulista, rígido na forma e no pensamento, do que próxima de seus contemporâneos mineiros como Henriqueta Lisboa, Drummond e Murilo Mendes, poetas cultivados sob a herança comum dos cantos nas igrejas barrocas, das explosões nas minas de minério e da força que sobrou ao espírito centro-mineiro após a guerra dos Emboabas. O estilo do nosso Orlando estava próximo demais de uma Minas que não lhe pertencia e muito longe de uma São Paulo que não lhe conheceu.


Da vida me desiludo
Ao ver um contraste assim:
Por que você que tem tudo na vida
Não tem saudades de mim?


Seu livro de maior destaque, Rosa Noturna, assemelha-se a uma compilação de poemas escritos ao longo da vida, não contém uma linha de ação poética clara, são sonetos, trovas, e poemas de verso livre organizados com o cuidado de uma antologia. Apesar de ter sido lançado no período áureo da poesia nacional, no tempo em que o modernismo já tomava ares de antigo e o pós-modernismo ainda estava por ganhar um corpo que o assim definisse, esta Rosa Noturna de Orlando Cavalcanti insurgiu como uma espécie de elo perdido do romantismo, que se findara meio século antes de seu aparecimento. Talvez seja esta a maior virtude da Rosa Noturna, o de ser um farol romântico em meio ao lusco-fusco que é comum a todo período transitório. Encerramos aqui, na esperança de trazer alguma luz à obra deste nosso outro poeta obscurecido, e que o soneto “Desalento” nos ajude nessa empresa.

Falta-me tudo agora, falta a crença
no que viria em halos de esplendor.
Falta o clarão da lâmpada suspensa
iluminando os meus serões de amor.

Faltam risos e afagos, recompensa
à brandura de seda do pastor.
Mãos que colheram lírios de Florença
já não podem colher nenhuma flor.

Falta-me a luz dos olhos, refletida
ao suave encantamento da presença
da vida que foi sombra de outra vida...

Falta-me tudo, enfim, nesta agonia;
só não me falta esta saudade imensa
que é meu sangue e meu pão de cada dia!


Pax Tecum Amicis
Até.
***
A imagem do post (Eleven A.M., 1926) é de autoria do pintor americano Edward Hopper, conhecido como "o pintor da solidão urbana". Esta moça nua, olhando com certa melancolia pela janela, é a melhor imagem que encontrei para os últimos versos do poema Desalento, "falta-me tudo, enfim, nesta agonia...".

38 comentários:

  1. Gosto do que ele faz, adoro ler coisas que falam sentido em minha vida, adoro poesias e são poucos que admiro e ele está incluido, sou sentimental, adoro ir a saraus aqui em Fortaleza, quando a timidez baixa um pouco, eu até declamo alguma coisa, blogs como oseu que nos leva ao mundo da poesia são sempre bem vindos.

    BLOGdoRUBINHO
    www.blogdorubinho.cjb.net

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  2. Engraçado meu caro eu mesmo que devoro muito a poesia não conhecia da existência!!!! de Cavalcanti...
    pois é vou procurar referências!!!!!

    desde ja estarei sempre por aqui deixando comentarios.

    ps: te pus na minha lista de favoritos lá no meu blogger.
    qualquer duvida apareça!!!

    www.gugaoliveira.blospot.com

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  3. é verdade eu tbm nãao conhecia !Cavalcanti e vou procurar maaais ! sobre o assunto achei muitoo boooom! nota 10!

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  4. Aprendi mais um pouco.. pois não conhecia .. e comentou foi ótimo me despertou para saber um pouco mais sobre o trabalho dele

    Abç.

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  5. De fato não é um dos meus prediletos. mas é realmente bom...

    Seu blog é muito bom, gostei muito.... Parabéns

    Convidar vc a participar da promoção que vai sortear domínios .com .net

    Participe, divugue.

    www.infoxcomp.com

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  6. é foda... varias pessoas que poderiam fazer a difereça na cultura nacional, sãoe squecidas , ou nem conseguem ser vistas. Nossa cultura é de gostar só doq eu esta na moda, e acabamos deixando de lado as coisas realmente boas! lamentável isso!

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  7. Sem duvidas os textos são ótimos. Mas eu gostaria de ressaltar algo mais belo ainda... a logo do seu blog. Realmente ficou muito bom!

    Abraços!

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  8. Gostei nunca tinha lido nada de Orlando Cavalcanti xD

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  9. nunca tinha lido nada desse poeta, realmente interessante.

    http://fgenial.blogspot.com/

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  10. Ñunca tinha ouvido falar, vou procurar a respeito,gostei bastante do texto.

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  11. belíssimo texto
    confesso que ja li o último terceto do soneto em algum lugar mas nao conhecia o autor irei pesquisar sobre ele
    se puder
    http://aflaudisiodantas.blogspot.com/

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  12. Olha a agonia dessa mulher PELADA, olhando pra fora pela janela. Ha. muito bom.
    Muito bom Cavalcanti.

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  13. olha eu aqui de novo
    mas uma vez reitero que gostei do kra e do texto

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  14. Desconhecia esse autor, mas pelo que li aqui, parece ter sido muito bom. Gostei do post e o soneto que colocaste, soou em simetria, "...Mãos que colheram lírios de Florença já não podem colher nenhuma flor...", uma vez que ja não vive mais.

    Sucesso!

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  15. Estou sem palavras, eu aqui, tentando semear utopias, quando tuas palavras já se fazem um sonho real.

    Parabéns pelo Blog.

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  16. não conhecia-o. Vejo que merece devida atenção na literatura.
    A midia não divulga suas obras, isso?! se fosse teria devido reconhecimento.

    Abraço.
    visite meu blog.!

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  17. SOU MAIS UM QUE NÃO CONHECIA ESSE ESCRITOR.
    INFELIZMENTE ESSAS COISAS ACONTECEM, QUEM MERECE, NEM SEMPRE TEM O RECONHECIMENTO MERECIDO.
    MAS VOCÊ FEZ UMA BELÍSSIMA HOMENAGEM!
    PARABÉNS!

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  18. Assim como Dante Milano,Orlando Cavalcanti tbm merecia maiscdestaque em nossos livros sobre literatura,sou fâ de sua obra.E é muito bom saber que outros tbm o admiram.

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  19. Olá amigo, parabéns pelo seu blog, muito bom! Voltarei aqui mais vezes.

    Abraços

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  20. Putz Dante Milano! Tenho um livro dele aqui ;)


    Blog Ultra Cool, na minha lista de preferidos.

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  21. escritores brasileiro não são tão (ão ão ão )valorizados.eu pessoalmente nem valorizo a literatura.eu acho que vou pesquisar sobre esse cara e aumentar o artigo na wikipedia sobre ele

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  22. Já tinha ouvido falar do Cavalcanti na universidade, mas nada que me fizesse tê-lo em alta conta. Seu post jogou gasolina na fogueira, embora eu não tenha achado o texto tão magnífico assim. Mas preciso verificar, ir além da sua postagem para ter uma visão mais ampla.

    Vc tocou num ponto crucial: o que torna um bom poeta um artista obscuro? O que o mantém no anonimato? Por que não há acesso a "panelinhas", tão comuns na medíocre arte brasileira?

    Valeu, camarada. A funcionalidade de um blog merece atenção.
    Abraço.

    Ipsis

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  23. Quanto estou passeando pela blogosfera e encontro blogs como o seu fico muito feliz de saber que em um mundo como o de hoje ainda existam pessoas com essa capacidade de escrever

    vou até seguir o seu blog =]

    Abraços

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  24. Não conhecia esse Poeta!!! Gostei desse trecho que vc pôs no final. Procurarei saber mais dele!!!

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  25. Mas, continuando... (Aquela hora esqueci de pôr as aspas):
    Como diz o poeta Vinicius, "Todo poeta só é grande se sofrer..."

    Não conhecia esse poeta, irei com certeza procurar saber mais de suas obras.
    "Palavras reais; nada de utopias, nada..."

    Ah, e novamente rs
    Parabéns pelo blog.

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  26. procurarei por seus escritos
    gostei!

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  27. Cara ... muito bom!
    Mas eu não conhecia ... ^^
    Vou procurar saber mais, por que eu gosto muito de poesia!

    Abraços

    Jader Araújo
    PLANO B!

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  28. Não conheço o trabalho desse poeta mas lendo essa poesia
    só sabe que existe muita carencia

    Falta tudo!

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  29. Caraca; Simplesmente nunca ouvi falar mesmo...
    Mas tudo bem
    Vou procurar saber.
    Gosto de literatura inglesa, um pouco da brasileira também,mas só as poeticas. Por isso me interessou Cavalcanti.

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  30. Aprendi muito nesse post, não sabia nem um terço, muito interessante e delicioso de ler.

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  31. Obrigada pelo comentário no meu blog.Aproveitando, quero dizer que gostei muito so seu blog, está muito rico. Parabéns!

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  32. as vezes me pergunto se as grandes poesias não estão escondidas em folhas amassadas deixadas de lado na casa de anonimos. Os grandes poetas talvez nao sejam de fato grandes, mas só sortudos.
    sera?

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  33. É parece bom mesmo, sabe falar das coisas sem ser meloso ou clichê.

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  34. La ringrazio per intiresnuyu iformatsiyu

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  35. Sou neta dele e gostaria de postar um poema inédito que ele escreve para minha mãe e seus três irmãos um pouco antes de morrer.

    Vida em Crepúsculo.
    “A gente morre um pouco todo dia.
    A vida vai matando devagar.
    Os sonhos, um por um, a fantasia
    e essa ilusão ingênua de sonhar.
    A vida é como o sol. Nasce. Irradia.
    Depois vem vindo a luz crepuscular.
    Esquecem-se os prazeres , a alegria
    e só resta um consolo : recordar. O corpo cansa de viver
    A estrada fica deserta, triste.
    A caminhada é mais penosa pelo anoitecer.
    Fica-se abandonado ao léo da sorte
    e quando chega finalmente a morte
    a gente já tem pouco que morrer “

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  36. Oi Ciça,
    Que belo epitáfio é este poema. Tenho o "Rosa Noturna" do seu avô, poemas de rara inspiração e lucidez.

    As vezes acho que o que há de mais perfeito na produção poética universal não chegou a ser publicado. Obrigado por nos brindar com este belo poema do acervo da família.

    abraço

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  37. ola,
    Nunca tinha ouvido falar neste autor, mas hoje eu adquiri um exemplar de seu livro Rosa Noturna, autografado e com uma dedicatória feita pelo autor para sua mãe, procurei mais informações sobre esta obra mas não encontrei muita coisa.

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Comente à vontade, contanto que prime pelo bom uso do imperativo categórico Kantiano: "Não faça com os outros que aquilo que você não gostaria que fosse feito com você";. Assim Seja. Pelos Séculos dos Séculos. Amém.