No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus.
Início do Evangelho de João
Todas as experiências humanas são passíveis de se tornarem grandes textos. Chega a ser desesperadora a intuição de que cada instante vivido pode ser o princípio de uma obra prima literária. Todos os escritores do mundo, desde blogueiros até catedráticos de respeitadíssimas academias, estão repletos de ideias geniais para escrever e publicar. Mas nem tudo vira texto, nem tudo que vira texto é publicado e nem tudo que é publicado é genial. Quase nada é. Por quê? Haverá um “por quê”? Não creio.
Quando penso nos textos geniais que imaginei e não escrevi, só uma coisa me vem à cabeça: não escrevi porque não comecei. Às vezes creio que sofro de algo como que uma “síndrome do não-começo”. Quantos textos deixei de escrever porque não soube começar! Começar é difícil, é um tal de escrever a apagar que não acaba. Isso porque, de todas as linhas de um texto, seja ele um calhamaço de 1000 paginas ou os 140 caracteres de um tweet, nada é mais dispendioso do que a primeira frase. Há teses e mais teses, engavetadas nas bancas de doutoramento literário, sobre a arte de escrever a primeira página de um livro. Da primeira página depende muita coisa, mas ainda acho a primeira frase mais dolorosa para quem escreve e mais definitiva para quem lê. Ninguém termina a primeira pagina sem se apaixonar pela primeira frase. Numa época de leitores impacientes, a primeira frase é quase uma cantada. Seu poder de sedução tem de ser forte, para que o leitor siga adiante.
“Era inevitável: o cheiro das amêndoas amargas lhe lembrava sempre o destino dos amores contrariados.” Assim, Gabriel Garcia Marquez inicia de forma arrebatadora um de seus clássicos, O Amor nos tempos do cólera. Se há uma frase que pode resumir o livro aí está ela. E como alguém pode deixar de ler todo o livro depois de sentir o aroma dessas amêndoas?
Nas portas há mais detalhes do que se imagina. Catedral de Amiens, abril de 2010 |
Muitas vezes, a primeira frase é o motivo de paixão desenfreada ou de ódio extremo. Poucas coisas podem revoltar tanto um leitor quanto uma primeira frase de 10 linhas, como José Saramago ousou em O Evangelho segundo Jesus Cristo. Bom, a Saramago tudo perdoamos. Não que a primeira frase não possa ser longa, até hoje guardo comigo, o começo de O apanhador no campo de centeio, de J. D. Salinger: “Se querem mesmo ouvir o que aconteceu, a primeira coisa que vão querer saber é onde eu nasci, como passei a porcaria da minha infância, o que meus pais faziam antes que eu nascesse, e toda essa lengalenga tipo David Copperfield, mas, para dizer a verdade, não estou com vontade de falar sobre isso”. É como se Salinger estivesse dizendo “escrevo como quero, quando quero e pra quem quiser ler”, todo um estilo está delineado nesta primeira frase. Poucos são capazes de contar quem são logo na entrada.
Talvez o maior mestre na alquimia das primeiras frases seja Franz Kafka. Toda sua obra é um convite à reflexão sobre o absurdo da existência e não há nada mais absurdo [no melhor sentido da palavra] na história da literatura do que as primeiras frases de Kafka. Tomemos o início de suas obras mais conhecidas.
“Quando certa manhã Gregor Samsa acordou de sonhos intranquilos, encontrou-se em sua cama metamorfoseado num inseto monstruoso.” [A metamorfose] // “Alguém certamente havia caluniado Josef K., pois uma manhã ele foi detido sem ter feito mal algum.” [O Processo]
Não há motivos nem justificação, somente fatos. Como a vida. Isto é Kafka, uma espécie de sinceridade exagerada desde a primeira linha.
Dizem, a primeira impressão é a que fica. Quanto tempo dura a primeira impressão na literatura? Varia de autor para autor, de leitor para leitor. Com diria Drummond, escrever e ler é “lutar com palavras”. Talvez o segredo, para quem escreve, seja manter desperto o leitor, frase por frase, desde a primeira.
A primeira frase, pedra angular de nossa escritura, a mais difícil de ser esculpida. Porta. Deixemos aberta.
Nossa cara tu é muito bom com as palavras o.o
ResponderExcluirmuito mesmo.
Tens muito talento, vou voltar seguido pra ler mais posts ^^
Aê to te seguindo, se puder segue de volta e comenta :D
www.luliskd.blogspot.com
Sinceramente, acho que o início de tudo nessa vida é completamente muito difícil. Na literatura não seria diferente. Lembro-me dos primeiros parágrafos de "O dia do chacal", de Frederick Forsyth, em que me levava quase que literalmente ao ambiente narrado. Nós leitores, principalmente de bons livros, devemos nos deixar que as palavras nos levem ao destino descrito e mergulhar nas histórias e aventuras dos personagens. Talvez o meio da história guarde mais segredos de complexidade como quanto o próprio início, pelo menos acho que no cinema essa retórica funcione melhor. Enfim, se é pra começar a escrever alguma coisa, que seja como você mesmo disse, uma cantada, seduza o leitor nas primeiras páginas até que ele se sinta envolvido a ponto de não querer mais sair.
ResponderExcluirhttp://duo-postal.blogspot.com
Tem um ótimo talento,vo seguir o blog,muito legal mesmo!
ResponderExcluirE NAO TEM MAIS NADA NEGRO AMOR...
ResponderExcluirAs referências que você usou são de extremo bom gosto literário. Afinal, quem nunca quis ser amigo do grande Holden, do Salinger?!
ResponderExcluirCoincidentemente, lá no meu blog o post atual fala de princípio... mas no meu caso, um princípio e tumulto! Rs.
Muito bom o texto!! Parabéns pelo blog!!!
ResponderExcluirAh, e só para deixar registrado:
ResponderExcluir"Certa noite acordei de sonhos intranquilos" [Metamorfose] é o meu princípio predileto...
queria ser tão boa com as palavras como vc.. sofro do mesmo mal da sidrome do "não's começos" deixo de escrever muito por nao começar ou por estar longe do que preciso..
ResponderExcluirparabens pelo blog
EU LI A METAMORFOSE DE KAFKA E FAÇO SUAS AS MINHAS PALAVRAS. ELE REALMENTE ERA O GÊNIO DO ABSURDO NA LITERATURA.
ResponderExcluirLEIA O CASTELO TAMBÉM, DE KAFKA. É MUITO BOM.
TEM POSTAGEM NOVA NO BLOG. PASSA LÁ.
http://ozeladorfiel.blogspot.com/
muito bom o blog...gostei do texto...belas palavras...
ResponderExcluirCaraca!!! tu escreve muito vem mesmo, eu senti a tua paixão pela escrita, e essa sensação é maravilhosa... eu também sinto sinto essa intensidade toda na hora que eu escrevo! parabéns
ResponderExcluirSeguindo
Beijãozão
http://shairygil.blogspot.com
Parabéns pelo post!
ResponderExcluirPelo texto
Abraços
Penso que muitas vezes nem é tão difícil assim começar, e sim, acreditar que o que ta na cabeça vai 'tomar' a forma desejada no papel, se tomar, ficará bom? O negócio é arriscar!
ResponderExcluir=D
Cara isso foi profundo, parabéns ai, é como dizem "Para um bom entendedor meia palavra basta".
ResponderExcluirMas no seu casso usou todas e mandou muito bem.
www.frangou.blogspot.com
Cara, me rendi a este texto!! Que maravilha hein! Isto é mais do que um espelho para muitos de nós que temos a velha "mania de escrever" e nos deparamos frequentemente com essa estagnação na hora de desenrolar e desenvolver idéias e pensamentos (que chegam a ser brilhantes) mas que às vezes parece ser impossível por simplesmente não sabemos como iniciar. Realmente o início de muitas coisas às vezes pode ser o mais dificil, porém não mais importante do que o meio e fim de quaisquer ações que desejamos fazer.
ResponderExcluira vida imita a arte, é o que dizem...
ResponderExcluirO que a vida anda imitando hoje? Arris dizer twiter, orkut, facebook, etc. Esta é a referência que a maioria segue, pequenos texros, quase sempre mal escritos. Será que esta geração terá paciencia para ler alguma literatura e textos longos como o seu? O tempo dirá.
Sensacional o seu texto.Muito bem expressado, além do tema que é o meu maior entrave.Quando consigo encaixar a introdução, meus textos fluem com muita naturalidade, mas começar é um problema realmente.
ResponderExcluiraondeasvesvao.blogspot.com
O texto ficou muito bom!
ResponderExcluirGostei de ter conhecido o seu blog!
Sempre que possível voltarei para ver as novidades
Bjos
http://joycebc.blogspot.com/
Belo texto.
ResponderExcluirMuito boa as comparações,principalmente por se tratar de autores de que tanto gosto.
Tudo é complicado em escrever,começo,meio,final. As vezes aquele meio parece chato, ou então, o final não é tão bom quanto imaginava.
Bom,foda! haha
parabéns
ResponderExcluirvc e divino com as palavras
http://www.leandrodemorais.blogspot.com/
Eu amo escrever mas acho que escrevo muito mal... digo que "não sei escrever", pessoas assim tem dificuldade em escrever o texto inteiro, quem dirá a primeira frase? Aaah é um obstáculo! Um trabalho difícil.
ResponderExcluirAdorei seu texto, seus conhecimentos literários... enfim. Vou seguir com certeza porque acho que esse blog vai me ajudar um pouquinho a ter mais conhecimento nessa área que gosto e conheço pouco ainda.
http://tearsandsmiles10.blogspot.com/
Uma visão muito inteligente. Iniciar a prática de alguma coisa não diria que é sempre difcícil, mas envolto por dúvidas ou inseguranças, que são quebradas naturalmente ao longo do tempo.
ResponderExcluirVerdade! Concordo com ele!
ResponderExcluirquem tem o dom das palavras vai longe... por exemplo Hitler que foi o maior monstro canalha do mundo era considerado um otimo orador... com sua lábia sacana conseguiu subir no poder... convenceu aliados e etc...
ResponderExcluirdo lado do bem temos Nelson Mandela que fez uma enorme revolução sem disparar um unico tiro... usando apenas as palavras...
o certo eh q eles nao usavam bem somente a primeira frase... falavam em todas as suas frases
abraços
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www.ouvindoparalamas.blogspot.com
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Olha, Adriano, você se define mui bem: aquele que está depois das tempestades. Uma bonança na blogosfera. Como diriam no interior, escreves "bom bissurrrdo". :-) Também penso (e creio que não haja quem não pense) a escrita como sedução, sedução, sedução, um flerte que deve começar como um jogo termina. Texto principia é pela cobrança de pênaltis. Que nem cantoria: se não der a largada no ritmo, danou-se o resto. Lembrei-me também do famigerado início de Virginia Woolf (algo como "Mrs. Dalloway avisou que iria comprar as flores ela mesma"), um media res lindíssimo. Adriano, no início, no meio ou no final (como já dizia Skank), você honra os escritores com seu texto. Parabéns de todíssimo coração, obrigada, beijos encantados e MUITO sucesso!
ResponderExcluirRealmente!
ResponderExcluirA primeira frase de um texto vem para nos acolher ou nos afastar da literatura.
O término da obra, as últimas frases, também possuem o seu "quê" de importância. Quanto mais aberta ficar a obra, mais leitores retornarão a morada do autor.
Abraços,
seuanonimo.blogspot.com
Ótimo texto, Adriano! Como sempre vc se expressa com uma facilidade de dar inveja. Comigo, essa dificuldade em começar um texto acontece com frequência, por isso não consigo postar tantas vezes qto gostaria. Muitas vezes tenho a idéia toda pronta, mas não sei como começar.
ResponderExcluirE o começo de tudo, é "tudo". Bjo.
é foda mesmo, a primeira linha é das piores, mas melhora. tão ruim quanto a primeira, é dá um final, ai eu uso minha estrategia quentin tarantino e paro derepente.
ResponderExcluirCara, tem razão... A primeira linha é fundamental num livro.
ResponderExcluirSenti exatamente como você comentou quando comecei a ler "O Processo" de Kafka. Genial!!!
http://rota173.blogspot.com/
sigo aqui, segue a gente tb!
Nossa seu Blog é muito bom, e você se expressa muito bem com as palavras! Parabéns.
ResponderExcluirNossaaa vs escreve muiiiiito beeim!!! adoreeei!!!
ResponderExcluirDá uma passadinhaa láa tbm!!!
http://echidellanima.blogspot.com/
Beeijos *-*
Interessante!!Nunca paramos para pensar como o começo é importante. Já tive muitas idéias para escrever textos e até livros, mas que não sabia direito como começar. Acho que o começo é mais difícil, mas depois quando consegue fazer uma introdução legal, acaba pegando o embalo.
ResponderExcluirParabéns pela originalidade do post.
Gostaria que conhecesse meu blog de arte obscura http://artegrotesca.blogspot.com
passo aqui direto p ver se tem novos posts
ResponderExcluirseu blog é muito bom parabéns
Começar um texto é realmente uma arte, mesmo que o restante da obra não seja grande coisa. Se você consegue escrever uma frase inicial digna, é como se recebesse uma espécie de permissão por parte das musas, para que continue escrevendo. De fato, quase tudo o que pensamos poderia terminar em grandes escritos. Várias vezes, criamos teses mentais e não nos damo conta. Deixo aqui o começo de minha série de ficção literária favorita, Harry Potter: O Sr. e a Sra. Dursley, da rua dos Alfeneiros, n°4, se orgulhavam de dizer que eram perfeitamente normais, muito bem, obrigado. Eram as últimas pessoas no mundo que se esperaria que se metessem em alguma coisa estranha ou misteriosa, porque simplismente não compactuavam com esse tipo de bobagem.
ResponderExcluirJornalistas aprendem (tecnicamente) a fazer isso, chama-se lead. Portanto, pare de frescura e faça seu lead, ache-o.
ResponderExcluirAcho que descobri o porque de pensar tantas coisas e não escrevê-las: sofro da mesma síndrome que você!!
ResponderExcluirNa verdade, vc falou tudo com seu texto. As primeiras palavras de um texto, de um livro, de uma poesia, são sempre aquelas que nos arrebatam de tal maneira que não conseguimos deixar de concluir a leitura até sua última palavra.
Amei ter trazido Kafka, que tanto estudei na faculdade de jornalismo em meio à corrente do absurdo e García Márquez, minha inspiração de sempre, com suas frases que mesclam fantasia e amores perdidos.
Parabéns pelo blog!
Ideias temos muitas... Todo mundo tem... Mas colocar no papel já é um desafio! Maravilhoso seu texto!
ResponderExcluirConcordo com o que você tratou no texto... És muito bom com as palavras! Transmites tudo que um leitor quer receber de um autor e passa sentimentos em casa palavra que aqui é dita. Parabéns!
ResponderExcluir=D
Meu amigo,eu digo pra você,eu deixo
ResponderExcluira mente fluir e vou seguindo sem muita elaboração do início ao fim.
E concordo,o começo é fundamental para não terminar o interesse na primeira página.e na minha modesta opinião você está no caminho do sucesso,sendo percebido pelo brilhante começo que consegue segurar o leitor.Parabéns e boa sorte.
Veio c é muito Crazy
ResponderExcluirbelo texto carinha!
ResponderExcluiras ideias perdidas parecem ser sempre as mais bonitas...