quarta-feira, 30 de janeiro de 2008

Pela preservação das poltronas nas salas de cinema.


Já houve um tempo em que cinema era coisa séria. Fazer um filme significava a tentativa de explorar os limites da imagem, do texto e do contexto, instigando os expectadores à reflexão sobre a arte cinematográfica e não apenas sobre o filme em questão. Hoje em dia faz-se cinema de qualquer coisa, de forma que a produção do filme, banalizada tanto em quantidade como em qualidade, tornou-se mais importante do que a própria arte cinematográfica. Há tantos filmes, e tão pouco conteúdo. O que mais me irrita são aqueles filmes que tentam se aproximar da realidade a tal ponto que, até mesmo a ultrapassá-la.
Isso me remete a uma a uma antiga aula de artes, onde o professor contou a seguinte história: certa vez, tendo o pintor Henri Matisse pintado uma “mulher azul” (vide ilustração do post), um famoso crítico de arte o alertou para a impossibilidade de haver uma “mulher azul”, no que Matisse lhe respondeu, “Mas isso não é uma mulher é um quadro”. A arte não tem, nem deve ter compromisso com o real. A verdadeira arte deve nos ensinar a ver a realidade de uma outra forma, para além da imagem cotidiana.

Sempre que entro em um me lembro dessa passagem antológica de Gabriel Garcia Márquez, no insólito “Cem anos de solidão”:

"DESLUMBRADO com tantas e tão maravilhosas invenções, o povo de Macondo não sabia por onde começar a se espantar. (...) Indignaram-se com as imagens vivas que o próspero comerciante Sr. Bruno Crespi projetava no teatro de bilheterias que imitavam bocas de leão, porque um personagem morto e enterrado num filme, e por cuja desgraça haviam derramado lágrimas de tristeza, reapareceu vivo e transformado em árabe no filme seguinte. O público, que pagava dois centavos para partilhar das vicissitudes dos personagens, não pôde suportar aquele logro inaudito e quebrou as poltronas. O alcaide, por insistência do Sr. Bruno Crespi, explicou num decreto que o cinema era uma máquina de ilusão que não merecia os arroubos passionais do público. Diante da desalentadora explicação, muitos acharam que tinham sido vítimas de um novo e aparatoso negócio de cigano, de modo que optaram por não voltar ao cinema, considerando que já tinham o suficiente com os seus próprios sofrimentos para chorar por infelicidades fingidas de seres imaginários".

Ir ao cinema é mais do que ver um filme, é admirar um milagre da técnica, é caminhar sobre a tênue linha que separa o real do fictício, o táctil do insondável. O povo de macondo esperava do cinema realidade. Teve de quebrar as poltronas.

Não sou como o povo de Macondo. Não vou ao cinema para ver o real. Quero ver no cinema aquilo que a realidade não oferece gratuitamente aos meus sentidos. Quero que a arte, ajude a abrir as portas da minha percepção.


pax tecum amicis...

quarta-feira, 23 de janeiro de 2008

Breve miscelânea poética para estar mais perto de Deus


O inventivo Mário de Andrade lançou seu primeiro livro de versos com o seguinte título: Há uma gota de sangue em cada poema. Verdade maior. Uma boa poesia é um milagre em forma de palavra. Uma boa poesia custa sangue. Custa, vez por outra, uma vida. Como foi o caso de Apollinaire, cuja vida diminuía quanto mais alturas atingia sua obra poética. (notaram minha veia poética nessa frase?)

Mas uma coisa é certa, pelo menos uma vez na vida todo mundo foi poeta. Talvez por um coração despedaçado, talvez por um belo por do sol, talvez por um sentimento nacionalista ou mesmo pra “brincar com as palavras”. Poesia é coisa que nasce com toda a gente. Porém pouca gente se arrisca a ser poeta. Porque poesia é coisa dificultosa.

Isso porque, ao contrário do que se pensa, não basta está apaixonado para escrever um poema. É preciso método. Não basta estar inspirado para escrever um poema. É preciso tempo e trabalho.

Quando me decidi por dedicar a primeira lista do ano ao gênero poético, quis apenas partilhar algumas obras poéticas que considero fundamentais para a minha formação poética. Antes que perguntem, não sou poeta. Sou apenas um amante da breve arte de metaforizar o mundo.

Podemos definir esta nova lista pelo seu título “Breve Miscelânea Poética para estar mais perto de Deus”. O vocábulo miscelânea é esclarecedor. Não temos aqui compromisso com época, tamanho, língua ou mesmo estilos poéticos. Sem ordenar, listei os dez livros poéticos que mais me comoveram até o tempo presente. Talvez até tenha cometido alguma injustiça com meus gostos pessoais (nunca com os autores, pois mesmo os aqui negligenciados se encontram em lista muito mais gabaritadas do que a minha), deixando de lado algumas figuras carimbadas de minha memória, como Vinícius de Morais, Virgílio, Gabriela Mistral, Paulo Leminski e outros recém esquecidos. Mas só cabiam 10, e me de alguma forma, me orgulho de ter lido os que ali estão.

Desde os britânicos Keats e Blake, passando pelos os latinos Neruda e Drummond, até o medievo Arcipestre de Hita, o que tentei expressar com esta lista foi a inesgotável possibilidade da poesia, cuja beleza pode realizar-se no verso rimado e métrico de Apollinaire ou mesmo no verso livre de Manoel de Barros.


Não vou comentar nenhum livro em especial, porque poesia não se comenta, não se explica, se sente. como podemos deduvir de uma leitura atenta desse breve trecho do poema "A máquina do Mundo", do genial Carlos Drummond de Andrade.

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"O que procuraste em ti ou fora de


teu ser restrito e nunca se mostrou,

mesmo afetando dar-se ou se rendendo,

e a cada instante mais se retraindo,


olha, repara, ausculta: essa riqueza

sobrante a toda pérola, essa ciência

sublime e formidável, mas hermética,


essa total explicação da vida,

esse nexo primeiro e singular,

que nem concebes mais, pois tão esquivo


se revelou ante a pesquisa ardente

em que te consumiste... vê, contempla,

abre teu peito para agasalhá-lo.”

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Não encontro possbilidade explicativa para tão alto uso da palavra, mas posso descrever meu sentimento. Quando leio poemas assim me sinto mais perto de Deus.





Bons sentimentos a todos.


Pax tecum amicis.