segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Um dia você acorda no meio de uma megalópole...

A maioria dos homens vive uma existência de tranquilo desespero. [Henry Thoureau]

 Um dia você acorda no meio de uma megalópole e a primeira buzina mal-educada te faz pensar: eu não sou daqui.

Um dia você chega em seu trabalho e percebe que noventa e cinco por cento dos sorrisos e cumprimentos que recebeu nos corredores, no elevador e pelo telefone são automáticos demais para serem verdadeiros.

Um dia você se vê atolado em burocracia, dentro de um escritório congelado pelo ar condicionado que não te deixa respirar. Todas aquelas horas na frente do computador estão te matando.

Um dia você percebe que sempre diz “sim senhor” para o seu chefe, mesmo quando ele está redondamente enganado. Mentir pra você mesmo se torna quase natural.

Um dia você se cansa de todas aquelas reuniões de revisão e planejamento, cujo o resultado são outras reuniões que tendem a se multiplicar até o infinito.

Um dia você percebe que o dinheiro corrompe as pessoas de maneira absurda e você não consegue escapar dessa lógica maldita.

Um dia você olha para a sua pasta de musicas no computador e só tem coisa antiga.  Você não tempo para descobrir coisas novas.

Um dia você reabre aquele livro que começou a ler tem mais de um mês. Você ainda está na pagina cinqüenta e seus olhos já estão pesados demais pra continuar.

Um dia você abre o jornal e vê um filme ou peça de teatro que te interessa, é a última semana em cartaz. Você olha sua agenda. No único dia que você pode, nenhum dos seus amigos pode ir com você.  No dia seguinte trinta pessoas querem que você vá ao aniversário delas.  Você prefere ficar em casa comendo Ruffles e assistindo a um filme velho no Telecine. 

Um dia sua namorada te liga, você vê o nome dela na tela do celular e pensa em não atender. Você deixa o telefone tocar até cair na caixa postal. Ela liga de novo. Você quer terminar.

Um dia você percebe seus ombros tão tensos e se lembra de Atlas, carregando eternamente o mundo nas costas. Você realmente se sentiria bem em trocar de posição com ele.

Um dia você abre sua caixa de e-mail e para de deletar aquelas mensagens de auto-ajuda em formato PowerPoint. Você começa a ler cada uma delas com atenção especial. Se emociona sempre no ultimo slide. Por algum motivo você deseja repassar aquilo para seus amigos. A sua vida está se derretendo aos poucos.

Um dia você acorda no meio de uma megalópole e a primeira buzina mal-educada te faz pensar: eu não sou daqui.  Você se lembra que é do interior, quase da roça. Pensa que nas cidades pequenas o mundo é diferente. Será possível viver lá? Terá de abrir mão de tanta coisa.

Nesse dia você se lembra que já tem 29 anos e que sua escolha tende a ser definitiva. Então, você vai?

***

Depois de escrever o texto acima, lembrei-me de do poeta Paul Verlaine que certa vez rabiscou: "Escolher uma vida humilde, repleta de trabalhos simples e pesados, exige muito amor". 

***

Abraço,
Luz na nossa Caminhada.