sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

PORQUE DEIXEI O FACEBOOK


Outro dia vi uma postagem aqui no "face" que dizia o seguinte: "Mark Zuckerberg desativa o Whatsapp a mando do governo venezuelano para evitar protestos no país". Poderia ser uma piada divertida, porém, a imagem que continha este texto foi compartilhada por milhares de pessoas, dentre elas muitos dos meus amigos, que a utilizaram para atacar a "ditadura venezuelana" dizendo alguns dos maiores disparates que já vi na vida. Enfim, esse tipo de postagem, repetida aos montes por gente que nem ao menos sabe do que se trata, comentada por ferozes intelectuais que são capazes de opinar sobre a crise na Venezuela baseados no boato do Whatsapp, me fez entender que o Facebook tem contribuído para o maior processo de idiotização em massa da história da humanidade. Nem a TV, apesar dos hercúleos esforços da Rede Globo, conseguiu tanto. 

Tenho quinhentos outros motivos para deixar o Facebook, não vou enumerá-los aqui, até porque, este texto do tamanho que está, já não será lido por quase ninguém. Apenas destaco meu principal motivo: não quero mais participar, nem como voyeur,  desse processo que causará a idiotização total e irrestrita da sociedade em menos tempo do que se imagina. Há coisas boas nessa rede social? Não duvido. Mas este texto não é para falar delas. Depois de ver tanta gente repetindo (compartilhando) tanta tolice sem filtro, sinto que contra os compartilhadores compulsivos precisamos de alguém que grite como Kant, "Sapere aude! Tem coragem de fazer uso de teu próprio entendimento". Este alguém não virá. Em tempos de Facebook, não há possibilidade de uma nova idade da razão. 

De minha parte, espero ainda ser capaz de me desintoxicar, ao longo dos anos que me restam, de toda bobagem que li aqui em quase 7 anos de uso. Se um dia eu voltar, por favor, me excluam.

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

NITRADO DE PRATA: RELATO SOBRE O NASCIMENTO DE UM FOTÓGRAFO AMADOR


Fazer uma imagem de um objeto significa extrair todas as suas dimensões, sucessivamente: o peso, a profundidade, o cheiro, o espaço, o tempo, a continuidade e obviamente o sentido. [Jean Baudrillard]


Em novembro fui ajudar um ex-professor e amigo na organização de um bazar com as suas coisas. Calma, ele não virou hippie. O mundo concorda que não precisamos de mais um. O camarada está de mudança para a Austrália. Aposentado e casado com uma australiana cismou que briga de cangurus é melhor que briga de galos. Enfim, resolveu colocar à venda tudo o que não fosse levar. E era muita coisa. Antropólogo adora bugiganga. E aí já viu: é totem pra lá, coleção de selos pra cá, tudo quanto é tipo de coisa que os museus rejeitam. Dos objetos mais inusitados que vi, cito um mapa-múndi [quase do tamanho do mundo mesmo], uma fedorenta coleção de besouros e um colete a prova de balas feito em 1925.

Terminado o serviço, tudo organizado e com etiqueta de preço, o bom maestro se vira para mim e diz, “Pode escolher o que quiser!”. Fiquei muito indeciso entre uma espécie de facão Inca e um tabuleiro de xadrez cujas peças que representavam um duelo “cristãos vs mouros”. Como demorara muito a escolher, o cara sacou do baú uma câmera fotográfica velha e lascou, “Toma logo isso e vaza, você vai gostar”. Fiquei um pouco decepcionado no começo, eu realmente queria o facão Inca [acabei comprando dele mesmo por 10 reais]. O fato era que eu tinha nas mãos uma Canon AE-1 e não sabia nem ao menos como colocar um filme.

A principio, não me interessei muito pela analógica. Gosto muito de uma Nikon “semiprofissional” que tenho e hoje é difícil notar a diferença de qualidade entre uma foto bem tirada por uma câmera digital e a mesma foto feita por uma analógica. Bem, por curiosidade resolvi comprar um filme e testar a danada da câmera. Logo nos primeiros clicks veio aquela sensação de desconforto que já havia esquecido há anos: não se pode ver a foto que tirou e, por conseguinte, o primeiro click já é uma foto e pronto. Não se pode apagar. Isso, aos poucos, vai criando naqueles que se dedicam à fotografia analógica uma espécie de cuidado instintivo ao tirar cada foto. Você começa a se preocupar com o foco, com o ângulo e a velocidade do obturador. Você quer que cada foto saia perfeita, ao invés de trabalhar por “tentativa e erro”, essa técnica tão comum entre os fotógrafos amadores da era digital.

Resumindo, comprei um filme de 36 poses [aliás, para falar de filmes vale uma outra postagem]. Depois de sacar todo o rolo, hora revelar. Decepção. Só se salvaram 17 fotos. Dessas, gostei apenas de umas quatro. Mas entre as quatro, uma em especial me chamou a atenção. 

Câmera: Canon AE-1 / Filme: Kodak Proimage 100

Gostei tanto dessa foto, que decidi investir em mais um rolo de filme. Bom, dessa vez me preparei melhor. Estudei sobre quais filmes deveriam ser usados em cada situação e como colocá-los de maneira correta na câmera. Se da primeira vez havia trabalhado com um filme de 400 asas para fotografar durante o dia, dessa vez escolhi um Kodak Proimage de 100 asas, sabendo que este é próprio para dias ensolarados. Fui ao centro da cidade e saí clicando. Resultado, “salvei” as 36 poses dessa vez. Assim surgiu mais uma paixão/vício na minha vida.

Depois desses primeiros rolos já “queimei” mais uns vinte. Tenho gostado cada vez mais. E não é tão caro quanto se imagina. É possível comprar ótimos filmes a preços módicos no Ebay. E a revelação dos negativos e digitalização negativos não custa mais que 15 reais. Vale muito a pena. Não somente pela fotografia em si, mas por todo processo quase artesanal que ela envolve, desde a escolha do filme até a revelação do negativo. Falando em revelar, já estou estudando maneiras de revelar meus próprios negativos em casa. Não é um processo muito complicado, mas exige algum investimento a mais. Vamos ver até que ponto essa paixão aumenta. 

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Para ver mais algumas fotos, é só visitar minha galeria no Flickr:
http://www.flickr.com/photos/adrianof14/

segunda-feira, 1 de outubro de 2012

À PRIMEIRA VISTA



"Mal vi teu rosto perfeito / E ele reconheceu haver-me feito / Estrago no coração."
Tomás Antônio Gonzaga


Todo mundo já sofreu de “amor à primeira vista”. Isso é mais comum do que parece. Por ser tão instantâneo e inesperado, por não depender de conhecimento prévio ou mesmo apresentação formal, mas sobretudo por ser gratuito e totalmente entregue à causalidade imanente ao tempo. Por isso, por ser algo fora dos planos, amor à primeira vista acontece o tempo todo. 

Amor à primeira vista é como aquela fotografia em que você mirou a paisagem e acertou uma imagem em primeiro plano. É como perder o ônibus. É como o favorito derrotado. O  Mar Vermelho aberto. É como a última música do lado B de um disco parecer mais bonita que todas as outras. É como Diadorim sendo mulher no fim do livro.

Ainda lembro do meu primeiro amor repentino. Devia ter uns 9 ou 10 anos. Estava na escola deitado na grama do bosque, buscando pássaros entre as folhas das árvores com um binóculo de brinquedo, daqueles supostamente aumentam 4x o campo de visão. Olhava distraído, tudo parecendo maior, quando ela apareceu, enorme, na minha frente. Era uma garota comum, tão comum que não me lembro mais da aparência dela, só do nome, Tereza. Perguntou o que eu estava olhando. Eu disse “pássaros”. Ela disse “não, você está me olhando agora”. Era verdade.

A vida é uma sucessão de amores à primeira vista. Você está correndo no Aterro do Flamengo, curtindo seu som e tentando bater seus míseros recordes pessoais e tempo e distância. Aí ela vem [em slow motion, lógico]. Camisa com a capa de um disco dos Smiths, cabelos muito pretos amarrados, tentando mudar a música do iPod enquanto corre. Até aí tudo bem. O problema é que quando ela passa por você, ela te olha e dá um sorriso discreto. Por que, Deus? Aí você a ama pra sempre até o fim daquela corrida. Senta na grama, e espera por ela no gramado. Convida pra uma água de coco. Enfim, não é sobre técnicas de conquista que eu estou falando.

Claro, há vários fatores que influenciam. Seu estado de espírito. O quanto você bebeu. Se você está no meio de “O Amor nos tempos do Cólera”, acabou de ver o último do Wood Allen, ou se tem ouvido Leonard Cohen demais. É bem provável que você esteja mais suscetível ao amor à primeira vista na galeria italiana do Louvre, do que quando em um congresso sobre gestão em Brasília. Mas não há regras. Nada pode garantir que você amará mais à primeira vista as garotas do Café com Letras, na Savassi, do que as coralistas na missa das 19h, em Santa Bárbara. 

Apesar de Veneza, não há uma geografia dos amores à primeira vista. Apesar de Bauman, não há uma sociologia dos amores líquidos e rápidos. As ciências, tão dedicadas a medir, experimentar e calcular hipóteses, ainda não se aproximaram da fórmula geradora do amor instantâneo. Como pode este acontecer tantas vezes, em tantos lugares e com pessoas tão diferentes sem que haja uma regra? Ninguém nunca explicará Romeu e Julieta, Marília e Dirceu, Heloísa e Abelardo, Você e Fulana. Aqui a blasfêmia é permitida: nem Deus ousará saber o motivo de um amor à primeira vista. 

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Pax Tecum Amici.
Até a Próxima!

terça-feira, 17 de julho de 2012

HELENA DE TRÓIA EM 1997


Ele gostava de passar as tardes na biblioteca pública. Lá se dedicava a pesquisar biografias de personagens da Antiguidade na, agora extinta, Encyclopaedia Britannica. Era um programa pouco convencional para um adolescente nos idos daquele ensolarado 1997. Ao contrário do que se possa pensar, não era um nerd. Não no sentido estrito da palavra. Dividia seu tempo entre os treinos de futebol no famigerado União Sport Club, protestos contra a privatização da Vale do Rio Doce e infinitas sabatinas com amigos que se reuniam para ouvir britpop e jogar campeonatos de futebol no Super Nintendo. Tinha até namorada, uma garota católica-carismática que considerava beijo de língua pecado mortal. Era quase satisfeito com a própria vida, algo raro aos dezesseis.
Naquele dia estava mais disperso do que de costume. Tentava se concentrar na vida do “imperador filósofo” Marco Aurélio, mas a fonte pequena da Britânica associada ao  barulho de crianças que adentraram o recinto como que no recreio do inferno, fizeram com que ele fechasse o livro e começasse a se erguer para partir. Foi quando veio o silêncio. Sempre que algo muito importante vai acontecer há um segundo de silêncio que demora horas (acho que vi essa frase num filme). Naquele instante, nem um suspiro de criança era audível, a atmosfera parecia ter sido tomada uma espécie de mormaço que fazia tudo acontecer em câmera lenta. A primeira coisa que viu foram os olhos dela. Dois faróis azuis capazes de iluminar o mundo inteiro se necessário. Depois, só depois viu que era uma garota. Linda. Loira, lábios carnudos, vestidinho branco e florido, cheirando a leite de rosas. Ela era o que se pode ter de mais próximo a um anjo aqui na terra. Um anjo com fones de ouvido, ligados a um Walkman vermelho. O “posso me sentar?” dela soou como um acorde da Primavera de Vivaldi. Nem foi preciso responder.
Perguntou o que ele estava lendo. Ele estava muito embasbacado para responder. Queria saber o nome dela. Ela disse, Helena. Helena de Tróia, ele pensou. Conversaram, ela tinha dezenove. Estudava artes cênicas em Ouro Preto e trabalhava na joalheiria. Não sabia o que dizer a ela. Bastava admira-la, ouvi-la. Ela disse que já o tinha visto várias vezes na biblioteca e sempre teve curiosidade para saber o que ele tanto procurava por detras daqueles pesados volumes de enciclopédia. Biografias, respondeu. E mentiu em seguida, “hoje estou lendo sobre Páris, filho do rei Príamo”... E ela completou: “que sequestrou Helena e causou a guerra mais romântica de todos os tempos”. Não sabia o que responder. Quando ela completou: “Conheçe Pixies?”, ele só conseguir dizer “não”. Impossível não ser monossilábico perante uma deusa. Ela tirou um dos fones de ouvido e colocou no ouvido dele. Estava tocando Where is my mind e era o momento mais feliz de sua vida até então. 
Saiu da biblioteca com a sensação de que seria capaz de conquistar qualquer mulher do mundo. Olhou-se no espelho e era mais bonito que Tom Cruise, segundo seu próprio julgamento. A noite, jogou uma pelada com os amigos. Com a autoestima acima do céu, fez tantos gols que perdeu a conta. Chegou em casa, foi dormir sorrindo. Sua indelével alegria durou até às 7h10min do outro dia. Quando sentou em sua cadeira, no fundo da sala 113 do Grupo Escolar Affonso Penna, sua namorada, sem expressão na face e sem dizer palavra, entregou-lhe um bilhete. Abriu como quem espera uma declaração de amor matinal, em lugar disso leu: “TE ODEIO PRA SEMPRE. NUNCA MAIS FALE COMIGO”. Releu aquelas letras cavalares umas dez vezes, até o professor de Biologia perguntar o que havia de interessante alí. “Nada”, respondeu secamente. Dobrou o bilhete, guardou no bolso da calça, e ali decidiu. “Vou para BH, cidade pequena nunca mais”.

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

DEZ MANEIRAS PARA PERMANECER CRIATIVO


Como permanecer criativo num mundo onde é tão fácil copiar, recortar e colar? Outro dia coloquei esta questão para o grupo de professores que coordeno. Pelo silêncio inicial pude perceber que a resposta estava longe de ser fácil. Porém, maravilhoso é o tempo em que vivemos. Um professor sacou da bolsa o seu Ipad e digitou minha pergunta no Google [este incrível oráculo pós-moderno] e logo em seguida milhares de respostas estavam à nossa disposição. Por ironia, caímos na nossa própria armadilha. Sem saber como poderíamos ser criativos, naquele momento, recorremos à criatividade alheia. Dente os incontáveis resultados, um vídeo chamou a atenção de todos 29 ways to stay creative [aqui]. Simples, conciso e didático. Genial. Era tudo que precisávamos.

Vimos o vídeo e pensamos, “ok, é muito bom”, mas não era nosso. Precisámos descobrir nossas próprias maneiras de permanecer criativos. Alguém sugeriu, “cada um de nós deve elencar numa folha pelo menos 10 maneiras que utiliza ou pretende utilizar para seguir criativo”. Batata! Em alguns minutos apareceram as listas mais mirabolantes deste lado da galáxia. Não posso divulgar listas alheias, por isso coloco aqui a minha, que não é lá “grandes coisas”, mas é minha e me ajuda. Torço que ela inspire mais alguém a, pelo menos, montar sua própria lista de inspirações criativas.

10 maneiras para permanecer criativo

1. Plante. Dos exercícios manuais possíveis a uma pessoa totalmente inabilidosa, como eu, plantar é o que mais gosto. É preciso preparar a terra, conhecer a semente, sujar as mãos, regar, oferecer luz, esperar crescer... todo este processo é um bom exercício de paciência. E é bom ter paciência, porque criatividade não é uma virtude que se nasce com ela ou aparece em nós da noite para o dia. Acho que nossa criatividade, neste caso, cresce junto com a planta, conforme a gente cuida dela. 

Intervenção "Máximo Silêncio", Praça Paris, Rio.
2. Aprenda novos idiomas. O conhecimento de outra língua traz consigo um novo e larguíssimo horizonte. A língua não vem sozinha, junto a ela vem toda uma cultura com a qual se pode aprender e também toda uma nova população com quem se pode conviver e partilhar.

3. Leia quanta literatura puder. Ler é o melhor exercício de imaginação possível, as letras tem o poder de nos transportar para diversas realidades sem a influencia dos sentidos. É pura imaginação. É incrível imaginar cada uma as cidades criadas por Calvino, cada membro da família Buendía, da obra de G. G. Marquez ou cada dor sentida pelo desafortunado Raskólnikov, personagem de Dostoiévski. Ler é imaginar. A imaginação e a Criatividade são irmãs siamesas.

4. Escreva à mão. Conheço gente que só usa caneta para assinar. Continuamos escrevendo, mas estamos perdendo o exercício da letra. Sentir o cheiro da tinta de uma boa e velha Bic no papel dá a sensação de que o trabalho da escrita está fluindo melhor. Além disso, escrever a próprio punho nos une há uma tradição milenar de tentar desenhar nossas palavras de maneira bonita ou pelo menos, inteligível aos outros.

5. Faça exercícios diários. Corra e esvazie a mente. Em “cabeça cheia” não há espaço para a criatividade, só para a repetição. Pedale e veja lugares diferentes. Ande e reflita sobre o que vem fazendo no dia-a-dia. Canse o seu corpo para repousar o intelecto mais profundamente. Cansaço e descanso são fundamentais no processo criativo. Com o suor eliminamos muita coisa velha que está em nós. No sono, sonhamos a novidade.

6. Jogue, mas não gaste seu dinheiro com isso. Cartas, videogame, xadrez, não interessa qual, toda espécie de jogo exige do jogador a resolução rápida dos mais variados problemas. Nas cartas, é preciso saber blefar, calcular, “ler” o outro; no xadrez, escolher a jogada certa entre milhares possíveis é fundamental; no War, o sucesso depende de delimitar uma estratégia para conquistar territórios. Jogos são ensaios divertidos da vida.

7. Dê aos pobres algo mais que roupas e comida. Muita gente tem o hábito de ajudar àqueles que precisam. A maneira mais comum é a doação de bens materiais. Ótimo se você faz isso. Mas, doar seus brinquedos velhos não faz de você uma pessoa criativa. Os pobres não precisam apenas de roupas e comida. Eles querem alegria, arte e conhecimento tanto quanto celulares modernos e tênis Nike. Que tal partilhar um pouco do que você sabe com quem precisa? Dê uma aula em um albergue, leve seu Playstation para jogar com jovens que nunca jogaram, ensine alguém a construir uma pipa. Você sabe o que pode fazer pelo outro.

8. Desconecte-se.

9. Beba bons vinhos. Procure conhecer a uva do vinho que bebe, tente identificar os aromas e sabores, não exagere na dose. Aprender a amar os vinhos é uma boa maneira de aprender um pouco de geografia, história, agricultura, arte e nos encaminha para a boa culinária e para uma postura mais alegre à mesa. Repito, não exagere.

10. Leia os manuais de instrução. É típico, mal tiramos da caixa os nossos gadgets e a primeira coisa que fazemos é ligar. Ler os manuais, as bulas de remédio, as fórmulas os mapas, as notas de rodapé e tudo que normalmente está em letras pequenas [por isso saltamos] nos ajuda a tirar melhor proveito das coisas, ajuda a estabelecer novos links de pensamento e de uso. As letras pequenas nos ensinam a olhar mais longe.

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Uma última me veio à cabeça de depois de tudo escrito. Ame mais. Porque São Vicente de Paulo dizia que “o amor é criativo até o infinito”. Concordo. 

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

REVOLUÇÕES LÍQUIDAS


A melhor coisa do mundo é que há algo de revolucionário em cada coração jovem. E se não fosse o espírito revolucionário da juventude o mundo seria uma sucessão de horas e mais horas em tediosa repetição da ordem estabelecida. Poderia escrever generosas páginas sobre as grandes revoluções inventadas ou lideradas por mentes jovens. Temos exemplos na política, nas artes, na ciência, nos esportes, por todo lado. Em todos os campos que o humano ousou caminhar, sempre houve um desses seres inquietos de espírito juvenil, dispostos a refazer a trilha. “E Deus viu que isso era bom”.

E foi assim, de revolução em revolução que chegamos onde estamos. No Brasil, por exemplo, as revoluções e insurreições juvenis sempre estiveram presentes nos momentos mais marcantes de nossa história. Basta olharmos as últimas décadas. Nos anos 60, “Abaixo a Ditadura”; nos anos 70, “Pela Anistia”; nos anos 80, “Diretas Já”; nos anos 90, prefiro deixar o “Fora Collor” de lado e citar os protestos contra as privatizações ao som do famoso “Fora FMI”. Assim foi, seguindo o rumo dessas passeatas que construímos o país no qual vivemos.

Não podemos negar a largueza dos passos dados. Avançamos muito nas últimas décadas, temos uma economia estável, uma classe média com bom poder econômico e boas perspectivas de crescimento para os próximos anos. Olhando assim, até aparece que chegamos a um bom nível de bem estar social. Será que os jovens já não tem mais pelo que protestar? Basta dar dois passos para além da “zona sul” de qualquer grande cidade para perceber que motivos para protestos não faltam. Nossa educação está em frangalhos, pessoas dormem na rua e passam fome, a agricultura familiar carece de incentivos [enquanto o agronegócio expulsa as populações rurais e, sem dó, devasta a natureza], bilhões evaporam pela corrupção, pela burocracia e pelo espírito faraônico de certos governantes que acham lindo a gente sediar uma Copa do Mundo FIFA mesmo sem ainda ter resolvido problemas primários como o saneamento básico.

Há inúmeros motivos justos para protestar. Mas sinto que a alma protestante de nossos jovens perdeu duas coisas fundamentais entre uma passeata e outra: senso de justiça e coragem.

Achei fantástica toda aquela história de “Primavera Árabe”, os protestos organizados pelo Facebook, a juventude de classe média clamando por democracia (será?) e tal. Ali temos uma causa justa, original e defendida com coragem pelos árabes, afinal a maioria deles está disposta a sangrar em favor das pelejas que assumem. O que me espantou foi o reflexo disso no Ocidente. Não sei se por inveja, por tédio ou pela contaminação osmótica a qual todos nós usuários de redes sociais somos acometidos, passamos a querer protestar também. Mas qual é a nossa causa?
Alto-Falantes para reclames populares
Francisco Badaró, MG  - Julho de 2010
Desde os “salteadores” do BBM em Londres (indignados com a falta de emprego e tarados por bolsas Louis Vuitton), até os pacíficos ocupantes de Wall Street ou da Cinelândia, o que se vê é um inventário de reinvindicações tão extenso quanto desconexo. Olhemos para o nosso umbigo e vejamos nossos protestos: protesta-se contra o capitalismo e o FMI, pela diminuição dos impostos sobre importados (quero meu Ipad 3 mais barato!), contra Belo Monte, contra a desigualdade social, contra as UPPs. Pausa para uma Coca-Cola "zero" entre um protesto e outro. Continuando, contra Ricardo Teixeira, a favor a eutanásia e do abroto, pela descriminalização da maconha,  pelos direitos dos homossexuais... Ufa, tantas causas. Mas na primeira chuva, a maioria dos protestantes desaparece como pó. Ocupação de fim de semana? É nessa hora que os árabes riem alto de nós.

Antes de terminar, algumas perguntas. Nossas causas são justas? Conhecemos, a fundo, todas essas bandeiras pelas quais nos reunimos e lutamos? Estou protestando do jeito certo (vou a Brasília, finco um monte de vassouras, em seguida, vou embora)? Amo a causa pela qual estou lutando? Será que estou aqui porque é muito maneiro armar uma barraca no centro da cidade, me juntar a um monte de amigos para tocar violão à noite de dormir de dia? Qual é a minha causa?

Respostas? Nenhuma. Mas não custa ouvir a voz de um poeta morto: "(…)sabes como é difícil sofrer tudo isso, amontoar tudo isso num só peito de homem… sem que ele estale". Drummond, que protestava em silêncio, escrevendo e sendo boa gente.

De longe, vejo nossas causas misturadas, liquidificadas (ave Bauman!). Os protestos perdem a forma, consistência, se esparramam, escorrem entre nossos dedos, deixando de ser palpáveis ate se tornarem ótimos vídeos no You Tube. 

terça-feira, 13 de setembro de 2011

É SEMPRE NO PASSADO AQUELE ORGASMO


Acabo de completar trinta anos e descobri que estou ficando velho. Não se trata da idade. Muitos atletas atingem o auge da forma justamente aos trinta, como Pelé na copa de 70. Na Grécia Antiga só se ingressava na vida política após três décadas de vida. E segundo a tradição cristã, o próprio Jesus só se sentiu pronto para iniciar sua “vida pública” depois de completar trinta anos. Não é pela idade em si, mas pelos sintomas que a acompanham. Associo a ideia de "velho" a ficar parado. Parado no tempo. Não foi difícil perceber que assim estou.
Outro dia fui renovar minha sagrada running playlist,  no Phillips GoGear. Selecionei as seguintes músicas para 40min a 9km/h na esteira: Bad Moon Rising - CCR / Born to Be Wild - Steppenwolf / She’s a Sensation - Ramones / Should I Stay or Should I Go - The Clash / A Little Less Conversation / Elvis vs JXL / I Will Survive - Cake / New Generation - Suede / Song 2 - Blur / Reptilia - Strokes / Molly’s Chambers - Kings of Leon. Pode ter certeza, é uma ótima playlist para corrida, só que  a música mais nova aí deve ser de 2003. Na tentativa de renovar, descobri que não conheço nenhuma banda nova. Essa descoberta ressoa meio melancólica na cabeça alguém que, há uns dez anos, esperava ansioso pela Folha de São Paulo às sextas, porque a Folha Ilustrada vinha sempre repleta de novidades do mundo da música. Hoje, ainda estou esperando pelo disco novo do Blur, como os judeus aguardam pelo messias. Existe povo mais velho do que o povo judeu?
Ah, a idade. A gente só vai percebendo aos poucos. Alguém te pergunta, “você já leu o novo do Daniel Galera?” e você responde, “Daniel, o quê?”. Você liga o Playstation 3 para jogar Super Metroid gravado num disco com mais 2100 jogos para Super Nintendo.  Caminha ate a locadora, procura algo engraçado e volta com “Curtindo a Vida Adoidado” pronto para dar boas risadas. Domingo é dia de reunir os velhos amigos para aquele desafio de War, mas aí você percebe que, no seu tabuleiro, o país mais difícil de conquistar ainda é a União Soviética. E como última loucura retrô nós, os velhos, usamos filtros no Photoshop para fazer as nossas fotos novas parecerem antigas. Chega. Lembro de um verso do Drummond, “é sempre no passado aquele orgasmo”. Verdade maior. Será o título dessa postagem.
As vezes a gente está tão apegado às paixões do passado, que não nos permitimos amores novos. Mas o velho dito latino não permite acomodação, Tempus fugit. Para um usar uma metáfora mais moderna, "computador desatualizado se enche de vírus".
Então corro em busca do que há de novo. E é claro que há novidades, adaptações necessárias. No guarda-roupas, as camisetas Redley perderam espaço para as camisas sociais de cores sóbrias. Não é mais possível sair sem o smartphone. E se viajar é preciso, o principal destino deixou de ser a Serra do Caraça, porque agora os salões de conferência em São Paulo ou em Brasília são mais urgentes. Nem tudo é trabalho. Há o jogo de tênis, sempre um filme novo do Wood Allen no cinema e as férias de fim de ano para planejar. No fim, uma certeza. É preciso abrir espaço para novidades. Desenvelhecer. 

Decidido, em dezembro, vou para um lugar que nunca fui.